terça-feira, 10 de julho de 2012

37 Anos de Independência: A Viabilidade Inviável de Cabo Verde


*Artigo de Opinião*

Desde primórdios da Independência em 1975 que se tem conjecturado a respeito da viabilidade de Cabo Verde como um país. Houve até quem defendesse a sua autonomização em detrimento da  Independência, em moldes semelhantes aos Açores, Madeira e às ilhas Canárias.


Cedo entretanto essa ideia pareceu se desvanecer porquanto Cabo Verde demonstrou ser um país capaz de caminhar pelos próprios pés e conquistar o seu espaço na arena política internacional.


Isso por um lado devido ao mérito dos sucessivos Governos e também por outro lado à tenacidade de um povo que, tanto cá como na Diáspora não se poupou a esforços para contribuir com o seu labor para um crescimento duradouro desses nossos 10 grãozinhos de terra.


Uma das condições primárias para este sucesso foi a aposta na educação; devemos também ter em conta a ajuda internacional na formação de quadros (destaque para os países da ex- Rússia, Cuba e outros mais), a criação das cooperativas, as organizações de massas, o incentivo ao espírito de patriotismo (nos terra e pa nos povo!), a tentativa de Unidade Guiné-Cabo Verde, tudo isso junto, no seu contexto próprio desempenhou um papel crucial na formação da nossa identidade cultural, crescimento do país e à formatação de Cabo Verde enquanto Estado e Nação (esta última para os que cá labutam e os que lá fora se orgulham de pertencerem).


A emigração deixou de ser um escape das secas e fomes cíclicas ou desterro para as terras do “Sul “para ser uma alternativa e escolha daqueles que procuram melhores condição de vida, vistas agora num prisma diferenciado como sendo, oportunidades de estudo, de emprego e até de uma vida mais próspera.


Cá dentro a luta contra a natureza era renhida. Construção de diques e banquetas; plantação de árvores; criação de actividades geradoras de rendimento; incentivo à procura das raízes culturais e telúricas, tanto na música como em outros aspectos da vida quotidiana (quem não se lembra da formação do Bulimundo e do papel que Katxás desempenhou na divulgação do Funáná? E dos Tubarões e outros mais?)


Lembro-me das actividades da JAAC, dos Pioneiros Abel Djassi, dos trabalhos voluntários (obrigatórios), da OMCV, das comemorações do 5 de Julho, da introdução dos feriados históricos-1 de Junho, 20 de Janeiro, das festas, dos encontros…tudo propalava o desenvolvimento e girava à volta de uma premissa: cabo-verdianidade e progresso.


O lema da escola: estudar/aprender/sempre. O lema para todo mundo: unidade/ trabalho / progresso. Mesmo que inconscientemente, isso acabava por ter um impacto na forma de ser e estar do povo que se sentia obrigado a dar o seu contributo para a melhoria de condições de vida das pessoas. Ninguém queria perder o comboio.


15 anos durou essa azáfama. Com altos e baixos. Mesmo vivendo uma autêntica euforia de procura de identidade, o povo queria participar activamente na vida politica, ter voz e vez e fazer parte de uma elite que foi se criando em nome do povo, pois se sentia como os filhos de fora. Exigiu mudança e alternância politica. E a mudança aconteceu. Houve reviravoltas de quase 360 graus.


Neste período transformações estrondosas ocorreram: a burguesia diluiu-se e se assistiu à massificação de muitas coisas dantes apanágio de um grupinho privilegiado restrito e os plebeus se tornaram os novos burgueses. Houve uma distribuição mais equitativa dos bens, a massificação do Ensino Secundário se tornou realidade, o acesso ao Ensino Superior passou a ser de todos e lá fora se considerou Cabo Verde um exemplo de Democracia.


Nesta lufa-lufa de alternância muito boa gente que se habituara a viver tranquilamente sob o domínio de Partido Único teve dificuldades em se adaptar ao estilo democrático. E ai surgiram as complicações: confusão entre democracia e impudicícia em que direitos contam apenas na 1ª pessoa; o interesse individual a sobrepor-se ao comunitário e de massa. A barafunda entre igualdade (mesmos direitos) e equidade (imparcialidade, justiça) com oportunismo. Houve ainda dificuldades graves em conviver com a diferença e entender que ser diferente enriquece; assistiu-se a armazenamento de pessoas por grupos, de acordo com a cor política (partido A e partido B ou C); inexistência de consciência de que para se conseguir algo de belo e bom tem que se esforçar e fazer sacrifícios.


Aqui parafraseio o papa João Paulo II, que numa das suas Encíclicas chamou a atenção de que, passo a citar, “de todos os regimes políticos, a Democracia é um dos mais perigosos.” Nada mais verdadeiro. Ela poderá ser uma espada de dois gumes caso não se entender que a linha limite onde termina os meus direitos, começam os meus deveres e os direitos dos outros; que se não respeitar os outros não poderei exigir respeito; que se a minha felicidade dependerá do aniquilamento do outro ela não será autêntica e duradoura.


A questão que se coloca é: exige-se direitos, mas não se quer cumprir com as obrigações; quer – se chegar ao topo indo por atalhos, sem se percorrer as etapas e pagar o preço dessa caminhada; pretende-se viver à grande e à Francesa, mas trabalhar para se merecer isso está fora de questão.


A fama de trabalhador que distinguia o Cabo-Verdiano de alguns irmãos de outras paragens vai sendo paulatinamente substituída.


Assiste-se neste momento à uma tendência progressiva de desvalorizar o trabalho e dar mérito ao ócio e à cultura do lessez faire et lesser passer.


Há uma grande preocupação em ter em detrimento do ser que já não se vêm a meios para se atingir determinados fins. Existe uma desagregação gradual dos valores que faz com que ludibriar, enganar, roubar, extorquir sejam vistos como sinais de inteligência e know-how de tal forma que em alguns casos, quando estas situações ocorram são aplaudidas por demonstrarem sagacidade ou esperteza.


De quem é a culpa? De todos nós, em geral e de cada um de nós em particular. Se não for de forma activa fazemo-lo passivamente através da nossa inanidade e displicência, fingindo que não nos toca e esperando pacientemente que o barco passe.


Porquê isso?


Já entramos no consumismo. Num consumismo desenfreado e louco. Consumo de tudo e mais
qualquer coisa que vem de fora.


E o que produzimos? O que criamos?


Por conseguinte, deixamos de produzir e aumentamos o consumo. Deixamos de dar atenção àquilo que nos valoriza e nos distingue para sermos meros usurpadores de ideias e atitudes que não dignificam um povo. Deixamos de criar para sermos simplesmente robots automatizados que devoram tudo o que encontramos sem mesmo preocuparmos com a sua proveniência.


É urgente reflectir-se sobre esta realidade e resgatar os valores do trabalho, da honradez e da honestidade antes que seja tarde demais.


Longe de mim querer atribuir méritos diferenciados ou imputar responsabilidades a um ou outro regime. A meu ver, cada um no seu contexto próprio desempenhou o seu papel e não vale a pena negar a função que ainda tem na formatação da nossa identidade (a História não se apaga). Entrementes, cabe a nós moldar os acontecimentos e permitir que o rumo das coisas se reverta a favor de uma sociedade mais justa, mais equilibrada onde se premie o mérito, o trabalho e a criatividade.


E isso é urgente, pois, a não acontecer, a nossa Viabilidade de que tanto nos orgulhamos durante estes 37 anos de Independência se tornará Inviável.


Elsa Furtado 

5 comentários:

  1. Estou deacordo... estou desponivel para coloborar

    ResponderEliminar
  2. Gosto das reflexões e desta em particular, da minha amiga de Calheta Elsa Furtado pela ousadia, cuidado e sentido de equilibrio como aborda as questões, podendo estas, sim, ser alvo de leituras salutares diversas.Com relação a transição do pós-15 anos, abordou por exemplo: 1) a questão de "uma elite que se sentia como filhos de fora". Aqui eu tenho uma leitura substantivamente diferente pois, essa ELITE de que fala, fazia parte do Sistema como unha e carne. Só que foi lesta na leitura e interpretação dos ventos que chegavam de longe e teve sucesso no debandar. 2)A questão da "barafunda" da confusão democracia/impudicícia, direito/dever/ obrigação", tudo é tratado com parcimónia revelando uma grande preocupação da plumitiva sobre uma matéria tão candente. Sobretudo, para que não caiamos na resignação a que sugere o poema atribuido a Berthold Brecht mas, do Pastor Martin Niemöller, com o título «E NÃO SOBROU NINGUÉM». Diz o poema:
    "Primeiro levaram os judeus,
    Mas não falei, por não ser judeu.
    Depois, perseguiram os comunistas,
    Nada disse então, por não ser comunista,
    Em seguida, castigaram os sindicalistas
    Decidi não falar, porque não sou sindicalista.
    Mais tarde, foi a vez dos católicos,
    Também me calei, por ser protestante.
    Então, um dia, vieram buscar-me.
    Mas, por essa altura, já não restava nenhuma voz,
    Que, em meu nome, se fizesse ouvir".

    Muita força, Elsa

    ResponderEliminar
  3. Agradeço as pessoas que leram o meu artigo e os comentários. Queria antes demais, chamar atenção pela gralha: onde está "13 de janeiro! deve se ler "20 de Janeiro", pois essa data so passou a ser comemorada depois de 1990.
    Caro amigo Benvindo, agradeço de coração as suas palavras encarajadoras; a minha reflexão é a minha visão particular, o que não impede, no entanto, de haver outras leituras do mesmo acontecimento.
    Adorei o poema, vem muito a propósito e traduz a nossa atitude de inércia que muitas vezes nos leva a acreditar que, pelo facto de não sermos os protagonistas da situação, nãoo temos responsabilidades nela.
    Abraços

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Caríssima Elsa Furtado;
      Caro Benvindo Tavares;

      Revejo-me nas vossas Reflexões//preocupações, com relação ao nosso povo e querido Cabo Verde, pela actualidade e emergência das questões que aqui tornaram públicas, que a todos vincula no dever e na obrigação de as denunciar e combater, com todas as nossas forças, sob pena de, mais cedo do que possamos imaginar, o futuro chegar ao fim, para Cabo Verde e os caboverdeanos.
      Tenho a plena convicção de que para o nosso futuro colectivo, muito mais do que a nossa crónica falta de recursos económicos, resulta como problemático, a ausência do valor do trabalho, do sentido do dever, da honaralibildade e verticalidade, do sentir comum e dos interesses da comunidade, na sociedade caboverdeana. Tal situação configura um obstáculo quase inultrassável, que nos não permite sonhar o futuro, menos ainda vislumbrar aquele que foi sonhado e construído nos primórdios da nossa existência enquato Estado. Como vós, sou um micaelense orgulhoso da sua origem natal, que, assumidamente, prefere ser inconveniente a ser passivo ou contemplativo, que prefere ser politicamente incorrecto do que transigir com práticas e formas de estar equivocadas e mentirosas, que, sempre que lhe for possível, prefere enfrentar pessoal, directa e verbalmente os portadores e emissários dos desvalores, que tão oportunamente a Elsa e o Benvindo reflectiram e tornaram públicos, porquanto, como vós, daqueles sempre tive uma aguda consciência aguda.
      Talvez seja a altura certa para que a Elsa e o Benvindo se juntem e se juntem a outros tantos que amam e queiram honrar o bom nome de Cabo Verde e dos caboverdeanos, por forma a que reencontremos o caminho da utopia, resgatando o futuro que queremos e sonhamos para todos.

      Abraços

      Eliminar
    2. Obrigada pelas palavras, amigo Anónimo,pode ter a certeza que, lenta e seguramente vamos entando dar o nosso contributo para que o sonho de CV se torne realidade de S. Antão a Brava...como se diz, Agua mole em pedra dura, tanto bate até que fura, com esta convicção vamos lutando com as armas de que dispomos, sem contar que seremos sempre compreendidos.

      Eliminar

Os comentários são bem-vindos e importantes por isso se quiser comentar este artigo esteja a vontade para dizer o que bem entender, mas sem insultar quem quer que seja.