sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Badio vs Dinheiro

*Artigo de Opinião*

"A riqueza sem a virtude é mais desastrosa que a miséria."
(Adágio Popular)
A ilha de Santiago é de longe a ilha de Cabo Verde com maiores potencialidades humanas, materiais, económica, financeiras, culturais e sociais. Nela habita mais de 50% da população de Cabo Verde; podemos encontrar paisagens variadas: montes, montanhas, colinas, ribeiras, planaltos, vales, cobons, cutelos; florestas, planícies verdes e áridas, praias de areia preta e branca, praias inóspitas e acolhedoras;
encostas verdejantes ou completamente despidas de vegetações. Também é a ilha dos contrastes económicos, financeiros, políticos e culturais, sociais e mesmo tradicionais.


É onde encontramos maiores acumulações de riqueza, mas também mais miséria a todos os níveis.

O “badiu” (como é conhecido o natural de Santiago, entenda se o termo, não no sentido pejorativo) é comummente conhecido como um povo trabalhador (gosta de dar pegada), empreendedor e muito guardador. Ele acredita que o sucesso se faz com trabalhar duro e guardar muito (embora há já uma boa franja que acredite no dinheiro fácil). É muito comum encontrarmos um badiu ou uma badia com milhares nos bancos (na mala ou debaixo dos colchões, que ainda acontece, ou dentro dos bidões de milho
ou feijão), mas que não tem a coragem de comprar uma comida ou roupa decente porque acha supérfluo e coisa de “branco” (entenda-se não apenas alguém de cor) ou de gente chique.

Ultimamente mudou um pouco por causa de influências sociais e emigração, investindo em casas enormes (palacetes e prédios) que não raras vezes ficam por terminar, pois é necessário mostrar grandeza e impressionar através do tamanho.

Também compra carros de alta cilindrada que às vezes não tem onde correr, pois tem que mostrar que é o máximo e que está de bem com a vida.

Gasta centenas de contos em festas (casametos, baptizados, crismas, finalistas, aniversários) e mortes (funeral, 7º dia, 30º dia, etc.).

Despende dinheiros com amigos (paga 1 kuza) em cervejas, vinhos e outras bebidas (1 ronda nunca fica menos do que 1,000$) e oferece a amigos de ocasião.

Enquanto isso, tem dificuldade de fazer gastos com coisas simples mas com resultados práticos e duradoiros. Pagar as despesas da educação do filho é um desperdício (o Estado é que deve assumir); reclama comprar uma injeção ou pagar as consultas ou qualquer despesa de saúde - já é um crime (os médicos ou pessoal de saúde é que roubam).

Fiz uma resenha geral das situações que me preocupam deveras; contudo, a minha análise hoje vai mais para a questão do esbanjamento das festas e das mortes.

É preciso mudar a mentalidade das pessoas de Santiago, mas isso é urgente! Já imaginaram quantas festas existem de Fevereiro a Setembro? 2 de Fevereiro (S. Domingos); 11 de Fevereiro (Saltos Central); 1 de Maio (S. Filipe, Renque Purga); 8 de Maio (S. Miguel); 13 de Maio (João Dias, Santa Catarina); 13 de Junho (Ribeireta); 24 de Junho (Ponta Verde); 29 de Junho (Achada do Monte); 15 de Agosto (Calheta e
outros lugares também); 29 de Setembro (Calheta)….e outras mais….

Bom, considerando que , cada uma destas festas traz o seu festival, imaginem quanto dinheiro não deve circular durante estes dias!

Não pensem que estou criticando gratuitamente. Sou religiosa, tenho devoção e acho bonito, as pessoas demonstrarem devoção religiosa aos santos da sua escolha. Gosto de uma boa paródia, adoro “passa sabi”. O que me preocupa é o esbanjamento desmedido que essas festanças e festivais estão a trazer com consequências gravíssimas sociais e económicas, tanto nas mortes como nas festas.

As pessoas, em especial as de classe económica mais difícil, endividam, desviam os fundos que poderiam ser utilizados para educação, saúde ou bem-estar da família, para comezainas. É ver a quantidade de comida e carne, bebidas e mais que são deitados fora depois destas festas. É ver a quantidade de lixo que se produz e se deixa ao Deus-dará (a Câmara que tome conta!). Depois de tanto desperdício, no dia
seguinte é comer katxupa tan (cachupa sem nada) ou arroz seco…e amanhecer na porta da Câmara a pedir apoio para comprar injeção para o filho…ou pedir apoio para materiais de escola (entre outras coisas)!

Já não se pode morrer, pois aguentar 7 dias de café e bolacha, e outras iguarias custa muito (lembro-me da anedota do senhor que disse, “kenha ki ka pode more pa ka more” em alusão ao senhor que morreu e não havia café durante os dias de “esteira”, os 7 dias de nojo). Quem não tem animais, vai à Assomada, os animais variam entre porcos e bodes, e também vacas e familiares da vaca, dependendo do nível económico
e social do defunto. Agora oferece-se até bebidas, de sumo a vinho, uísque e outras!

Eu, pessoalmente já experimentei falar diversas vezes com pessoas sobre esta situação; há gente que pensa como eu mas poucos têm coragem de assumir e denunciar, pois este é um tema complexo…mas eu não tenho medo! Santiago é a ilha com maiores potencialidades, repito, a todos os níveis, mas onde se vive pior, não por falta de meios ou oportunidades, mas por questão de escolha (no meu artigo anterior, fiz referência a este aspeto!), por causa de uma mentalidade que se quer perpetuar a todo o custo, em prejuízo de uma população cada vez mais consumista e cada vez mais pobre (eu entendo a pobreza/riqueza, não tanto pela quantidade que se tem, mas pelo uso correto ou não que se faz dos bens que dispomos).

O interessante é que isso só acontece apenas na ilha de Santiago; já visitei e morei em algumas ilhas de Cabo Verde e digo vos, apesar de ser badia e com muito orgulho, admiro a sensatez e a capacidade de priorizar as coisas dos sanpadjudus (nesta designação entra todos os moradores das outras ilhas). Há excessos em todo o lado, mas o que está acontecendo em Santiago, com todos os badius, precisa ser estudado que haja medidas urgentes para sua moderação.

É bom conservar as raízes e a tradição, mas deixar de lado o que não traz benefícios para a população; a mudança para melhoria deve ser provocada, doa a quem doer!

Tenho a certeza de que este artigo poderá não cair no agrado de muitos; quem estiver com alguma dúvida, visite a Calheta de S. Miguel nestes dias, em especial nos dias 14 e 15, e verá in locu de que estou falando.

Todos temos orgulho na ilha bonita que temos; todos sentimos felizes da riqueza cultural que abunda esta ilha, onde tudo começou. Mas devemos estar cientes e ajudar para que estes valores não fujam ao controle para que este povo saiba usufruir equilibradamente dos bens que consegue com a força de trabalho. Isso passa para educação, dirão, mas para mim, é também uma questão de escolha. Quero vossa opinião!

Viva aos badius! Viva a todos os Cabo Verdeamos!

Elsa Furtado

8 comentários:

  1. Muito obrigado..náo te preocupa é claro que hoje em dia a verdade doi muito, mas verdade nunca deixa de ser verdade e deve ser dita sempre. Sobre tudo nes preciso momento em que esta na moda de dizer cau mau, mas ninguem faça algo para milhorar....

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  2. "Na mosca!" . Só não concordei que..."Santiago é a ilha que se vive pior", isto não é verdade, estou seguro que não vivemos pior, também não acho que hoje somos trabalhadores, nem tanto quanto nossos Pais (há um equívoco), não temos noção do que é trabalhar, e que tal se perguntarmos aos chineses? Não obstante, o tema é muito interessante e os teus argumentos, Elsa, tocaram os pontos essenciais. Eu já vivi na pele as influências culturais da ilha de Santiago. As festas Santas perderam o sentido original, 99% das pessoas nem sequer vão a missa; não sei quem foi o infeliz que criou os festivais que nada têm de beneficio, mas, atenção, é preciso reconhecer que o festival mais antigo, o de Baia é outra coisa. Para mim é o único que faz sentido. Penso que os políticos até já deram conta que festival é um erro, porque eles não são cegos, mas, ainda insistem em fazer "desgraças" e, a cada dia que passa surge um, é aquela mania que nós temos, achamos que somos inteligentes quando não somos ... eu já vi festivais em montanhas, ridículo; o carnaval em Santiago também não faz sentido nenhum... outras questões: - Festas de Baptismo, Crisma, e Casamento... os "sampadjudos" costumam dizer que somos burros, oh pá não sei... mas a verdade é que o que nós fazemos não deixa de ser "bureza". Todos sabemos que existe uma especie de competição em fazer festas e, mais pior, todos sabemos o quanto as pessoas zelam para garantir a satisfação dos convidados, embora sabendo que muitas vezes são centenas. Também querem roupas novas e "bodonas", enfim o luxo é que se prioriza e se esquece das necessidades básicas, como a saúde por exemplo. Parece que as pessoas não valorizam o pouco/muito que conseguem... quem trabalha, também deveria valorizar.
    Agora, uma questão mais delicada, a morte. O que se pratica numa morte não é de agora, isto herdamos dos nossos Pais, coitados eles não são perfeitos... de qualquer forma, penso que isso com o tempo pode acabar, porque acho que está a diminuir... o problema é que para muitos familiares é a ultima vontade do morto que se satisfaz... para descançar um defunto há que fazer algumas vontades, pois, outros até deixam recomendações o que fazer (...) Para finalizar, rogo que mais pessoas façam comentarios porque o assunto é deveras interessante...parabenizo a Elsa e os responsáveis pelo Blog... Abraço a todos!

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    1. Muito obrigada pelos comentários, amigos. Ola, Berdianu, as suas observações são muito pertinentes, é isso que queremos, perspectivas diferentes da mesma realidade. Esteja perfeitamente à vontade para concordar ou discordar; quanto à questão das mortes, sei como surgiu (não vou discorrer sobre isso aqui) o que entendo perfeitamente mas não está a melhorar, está a tomar proporções cada dia maiores cá no interior de Santiago. De resto estamos sintonizados, mas aceito e respeito todas as opiniões, sejam elas favoráveis ou não. Não se trata de um estudo científico, apenas reflexões do vivência do dia a dia.

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  3. Parabéns Elsa, por colocares esta questão em cima da mesa, sou cabo-verdeana badia, de coração e não por nascimento porque já nasci em Portugal, embora sempre ligada a Cabo-verde. Não posso estar mais de acordo contigo, festejar é bom e tudo tem o seu momento. Mas para mim viver com essa realidade aqui em Portugal ainda é mais estranho. Para além das mortes, 7º dia com todo o esbanjamento, que é muito difícil de explicar aos português, começo casos de pais que, embora querendo muito, não baptizam os filhos porque não têm dinheiro para a festa, soma-se a miséria que se passa durante um ano inteiro para ir passar férias em Agosto a Cabo-verde e dar a entender que se vive aqui muito melhor do que realmente se vive. A somar a isto tudo a forma com que se menospreza a importância da formação e educação, isso é o que me custa mais. De qualquer forma penso que a realidade tem vindo a mudar a pouco e pouco. Mas para que isso aconteça de forma clara é necessário que esta verdade seja discutida mais vezes. Há um certo medo em falar no assunto, não se quer ofender ninguém. E por isso mais uma vez, parabéns Elsa por expores o problema de forma honesta.

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  4. Cara Elsa muito obrigada por nos trazer um assunto muito importante e pertinente da nossa vivencia. Esta reflexão efectivamente, toca-nos no momento em que há uma tendência de se valorizar mais o material do que a espiritualidade. Na minha maneira de ver, as pessoas precisam de ser reforçadas as suas faculdades de fazer a analise critica e criativa desta tradição que infelizmente, muita gente a pratica... A nossa mídea, sobretudo a televisão deve cumprir também a sua responsabilidade nesta matéria, pois na cobertura dos dias de santos esta, dá o reforço social focalizando apenas a comida, a bebida, o som e o negócio ... esquecendo de explicar a essência e o significo do Santo que se festeja. Moderação, austeridade, espiritualidade precisamos urgentemente !!!

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  5. 'N sta 100% de acordo, qui na Cabo Verde tem grandi falta di cuidado/prioritizasao de saude, e escola. Cabesas sta mais interesado na cuze qui sta por cima di es, em vez di cuze qui stas por dentro.

    "n ta concorda ku ideia {premise}, mas 'n ta nega aceita ma queli e problema limitado a Ilha de Santiago/Badius. Queli, nu ta compartilha em proporsao, sabendo que 20% de 100, e so vinte, e 20% de 1000, e 200. Simples de mi, pa nhos considera, antes de julgano diferente demais. CMD

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  6. parabens ELsa, pela coragem e ousadia de partilhar esta reflexao. E uma constactaçao embora nao muito agradavel ao ouvido de alguns "Badius" (como eu) mas que no entanto nao deixa de ser verdade. E é importante tomarmos consciência desses comportamentos que nao nos ajudam em nada. Alguns justificam esses fenomenos sociais com o refrao: "é nôs cultura". Nao digo que nao. quando ouço isso penso numa conhecida frase biblica em que Jesus diz: "O sabado foi feito para o homem e nao o homem para o sabado". Eu diria mais, a cultura foi criada pelo homem e para o homem e nao o homem pela cultura ou para a cultura. Estou convencido de que esta frase ajuda a entender aquilo que vou dizer. Nos nao devemos deixar-nos transformar em escravo da cultura, ou seja, nao podemos seguir a cultura às cegas. Nem tudo o que a cultura nos convida a fazer é saudavel ao crescimento humano e social e eu diria mesmo economico de uma sociedade. ha que fazer uma selecçao dentro da cultura. separar aquilo que é bom daquilo que é nocivo. "oras qui nu ta cotchi qui midju dja limpo nu ta tral de pilon nu ta pol na balai de tente/tentia/bentia (djan skeci modi qui ta flado) pa separa midju ku farelu." a mesma coisa devemos fazer com a nossa estimada cultura criola que amamos tanto. tudo aquilo que nao nos ajuda a crescer temos que colocar entre parênteses. atençao, nao digo que devemos joga-los no oceano do esquecimento mas conservar essas praticas enquanto memoria viva daquilo que os nossos avos viveram. Ou seja, enquanto historia do povo caboverdeano. os nossos avos têm mania de dizer que antigamente tudo era melhor do que hoje em dia. com muito respeito por aquilo que eles fizeram e viveram nos tempos deles eu nao sou de acordo com essas constactaçoes.
    Caros compatriotas, aproveitemos os valores e vertudes que a nossa cultura caboverdeana nos propoe e coloquemos de lado aquilo que nos prejudica.
    Mais pensamentos eu queria partilhar aqui convosco mas prefiro nao vos aborecer com as minhas modestas palavras. agora cabe a cada um de nos fazer a sua parte em prol da nossa sociedade.
    Portanto mais uma fez muito obrigado, Elsa, pela oportunidade que me deu de tomar consciência e fazer uma analise daquilo que afeta destrutivamente a nossa sociedade.
    um grande abraço a todos os que se interessam pelos factos que afetam a nossa sociedade.

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  7. este gajo devia esta de bico fechado ante de cair de paraqueda na São Miguel tudo mundo vive bem , trata de cuida dos seus afazeres e deixar os badios em paz , cultura é cultura , festa é festa tenta pesquisar mais ums minutinho e ter a realidade das coisa como funciona undi tem parodia mas qui sal, boa vista, São vicente, badio gosta de festa sim mas badio cuida da saude, preocupa com o seu bem estar e badio são inteligente não vem badio com outro olo graça ao badio qui teneu na mundo !!

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